José não pediu para ser cego, aliás, muita coisa passou pela sua cabeça a respeito das possíveis causas de sua cegueira. A mãe, uma adolescente, ter fumado durante a gestação, a rejeição por parte do pai, um problema no parto, uma série de coisas inundava a mente de José. Desde criança ele ouvia muito a respeito das cores, das formas das coisas, dos rostos das pessoas, mas como explicar “loiro” para alguém que nem sabe o que é amarelo? Ele apenas imaginava, porque a única cor que ele conhecia era preta, e de vez em quando, um vermelho crepúsculo. Até isso ele não sabia!
O seu tato e olfato melhores do que qualquer amigo ou familiar. Sabia qual era a pessoa à sua frente tocando-lhe o rosto e, às vezes, pelo cheiro do perfume. Sua audição também muito apurada sabia reconhecer quando era o avô que falava ou quando era a mãe que chegava do trabalho. A avó cantando na cozinha fazendo nhoque e o molho de tomate era de aumentar a fome e o sossego no coração. Digamos que foi uma infância um tanto difícil, principalmente quando seus primos iam para a praia e não o chamavam, diziam que ele “dava muito trabalho”, mas José teve seus bons momentos quando no primeiro Natal em que ele passou com toda a família reunida e ele teve que adivinhar seus presentes tocando nos embrulhos. Foi inesquecível!
Na adolescência, a descoberta de um sentimento um tanto estranho. Ele estava se apaixonando por uma menina, ele se encantara com sua voz e pela sua delicadeza. Quando ela o ajudava com os afazeres da escola, ele sentia o perfume e conseguia sentir a pele daquela que tinha roubado seu coração. Mas como amar alguém que nunca viu? Os meninos do bairro o apelidaram de Zé Ceguinho, que ficou com ele até o último dia de sua vida e que ele nunca gostou de verdade. Como ela amaria ou se casaria com o “Zé Ceguinho”? A grande maioria das pessoas se achava superiores ao Zé, se não superiores tinham pena do pobre rapaz que não podia ver. Ele acaba desistindo de amar, de se abrir, mesmo que um ou dois amigos o tivessem incentivado.
Um convite inesperado aparece. Um acampamento de jovens cristãos num lugar super bacana não parece uma má idéia. Ele vai e numa noite as estrelas brilharam mais fortes e, mesmo que seus olhos de carne estivessem escurecidos, os olhos da alma se abrem e ele consegue ver o que muita gente boa de vista não vê; a face de Deus revelada em Jesus. Lágrimas caem de seus olhos e seu amor é correspondido não pelo fato de ele ser cego, mas justamente porque José conseguiu ver Deus em sua cegueira. Entendeu que o fato de ser cego não era um limite, mas uma maneira livre de pensar e criar as coisas da forma como quisesse, como Beethoven sendo surdo criava as melodias que queria.
Os anos passam e o Zé Ceguinho morre. A escuridão agora se transforma em uma forte luz. É a primeira vez que ele abre os olhos e a primeira coisa que o Zé vê é a face de um homem sorrindo, mas ele sabia que não era um homem qualquer, era o rosto Daquele que devolve a vista ao cego, era Aquele que tinha cumprido com tudo que havia prometido. Como de costume, Zé toca a face de Jesus e diz: “É verdade mesmo que nem olhos viram e nem ouvidos ouviram e nem jamais entrou em coração humano o que o Senhor tem preparado”.